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sexta-feira, 1 de junho de 2012

ESTRADA QUE CORTARÁ TERRAS PROTEGIDAS NO PERU AFETARÁ INDÍGENAS DO BRASIL

Moradores de município amazônico afirmam que rodovia acabará com "ilhamento involuntário"

Por: Estevan Muniz, da Rede Brasil Atual
Estrada que cortará terras protegidas no Peru afetará indígenas do Brasil Comunidade indígena que vive isolada na fronteira do Acre com o Peru pode ser dizimada com nova estrada (Foto: Funai)
São Paulo – O Congresso peruano poderá aprovar a construção da estrada Purus-Iñapari, que cortará três áreas protegidas do Parque Nacional Alto Purus. Moradores dessa região, organizados em torno do conselho paroquial local, afirmam que sofrem pelo isolamento e pedem pela construção da rodovia. Entretanto, entidades indígenas peruanas, a organização internacional que defende os direitos dos índios Survival International fazem campanha contra e alertam que ela colocará em risco de vida povos isolados na Amazônia peruana.
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A construção fere a legislação do país, mas se os congressistas declararem que se trata de “necessidade nacional”, ela poderá ser levada adiante. A estrada ligará o município de Puerto Esperanza, na província de Ucayali, à cidade de Iñapari, na província de Madre de Dios, margeando a fronteira com o Brasil. Atualmente, a ligação de Puerto Esperanza com o resto do Peru depende exclusivamente de voos até Iñapari.
A região da fronteira do Peru com o Acre tem assistido a diversas violações aos direitos dos indígenas, por conta da exploração de madeira e do narcotráfico. Para a brasileira Fundação Nacional do Índio (Funai), a construção da rodovia Purus-Iñapari só iria agravar a situação. Em entrevista à BBC Brasil, há duas semanas, a coordenadora da Funai em Rio Branco, Maria Evanízia dos Santos, teria dito que haverá conflitos violentos com povos indígenas e que é possível um genocídio.
De acordo com a ativista Rebecca Spooner, da Survival International, organização que levou a questão ao âmbito internacional, “há vários povos isolados que vivem na área, tanto no Brasil, quanto no Peru, que frequentemente cruzam a fronteira – eles não têm ciência dos limites geográficos entre países”, disse Rebecca.
Ela teme, entre outras consequências, que o contato com estranhos faça os índios que vivem em isolamento contrairem doenças contra as quais não desenvolveram imunidade. “A construção vai afetá-los negativamente, não só por conta da estrada em si, mas porque ela atrairá imigrantes ilegais, madeireiros ilegais, o que é sempre o caso, com qualquer estrada, sobretudo no Peru, que não consegue combater a extração criminosa de madeira”, acrescentou.
Rebecca afirma que a construção da rodovia é um interesse do governo do Peru. “A construção definiria mais claramente a fronteira com o Brasil e facilitaria o controle. As pessoas que advogam pela estrada afirmam que ela impediria a constante invasão de brasileiros em suas terras”, contou.
As entidades Federación de Comunidades Nativas de Purús (Feconapu) e a Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (AIDESEP) fizeram pedido ao Congresso do país de arquivamento do plano da construção. Na sexta-feira passada (25), as direções das entidades se reuniram com a congressista Verónika Mendoza, que encaminhou à Comissão de Transporte da Casa o projeto que declara a estrada necessidade nacional, mas os resultados da reunião ainda não foram divulgados. Verónika, em todo caso, acredita que a rodovia não afetará povos isolados e que é possível conter a exploração de madeira.
Procurado pela reportagem, o padre de Puerto Esperanza, Miguel Piovesan, não pôde responder, por estar incomunicável em regiões da Amazônia peruana. Contudo, o encarregado pelo Conselho Paroquial de Purus, José Manuel, afirmou que a situação em que se vive na região é cruel, por conta da falta de acesso. “Dependemos somente de um avião para entrar ou para sair desta 'prisão verde' deste parque mal desenhado, que nos impede qualquer avanço e desenvolvimento”, disse.
Ele afirmou que a construção da rodovia é pedido da população, do prefeito de Puerto Esperanza, da Frente Social da cidade e do bispo da região e que somente quatro dirigentes indígenas são contra a construção. “O absurdo que vivemos é que há muito interesse em cuidar da floresta e nenhum em cuidar das pessoas que aqui vivem”, afirmou Manuel. Para ele, trata-se de um "ilhamento involuntário". Puerto Esperanza carece de sistemas de saúde e de educação eficazes.
A ativista Rebecca afirmou que 80% da população de Puerto Esperanza é indígena, e que é possível presumir que boa parte da cidade é contrária à construção. “Há muitas pessoas que defendem uma melhoria no transporte, com mais aviões fazendo o trajeto. Para o desenvolvimento, você não precisa necessariamente de estrada. É o que vemos em muitas cidades amazônicas, que são acessíveis somente por avião ou barco.”
Para ela, trata-se de um conceito equivocado para definir o que seja progresso. A mensagem de Piovesan, disse, é de que as pessoas precisam progredir, precisam se juntar à sociedade de consumo. “Entretanto, muita gente indígena não quer estar conectada com o resto do Peru e querem felizmente caçar, pastorear e manter a agricultura em pequena escala, vivendo o que seus ancestrais viviam, ou algo que não signifique ter um carro e dirigir até Iñapari todo dia.”