Confesso que a mais de 20 anos tenho o conhecimento que a droga que entra aqui pela região do Alto Acre, oriunda do Peru, entrando através da Bolívia, pelos municípios de Brasiléia e Epitaciolândia, em quase sua totalidade, é o OXIDADO.
Em 2003 participei de encontros com Álvaro do Programa Rede Acreana de Redução de Danos, onde expus que o OXIDADO, agora batizada por OXI, já era antigo em nossa região, e que o seu consumo estava aumentando a cada dia nos municípios de Brasiléia e Epitaciolândia. Nessa época teria sido apresentada ao Brasil como uma nova droga, através do Acre, e hoje o Brasil está apresentando o OXI como se fosse uma nova droga.
OXI é a forma normal da cocaína que entra no Brasil, que depois de seu fabrico em forma granulada, costuma ser prensada em forma de tijolo em tamanho médio de um quilo, esse tijolo é fácil de se quebrar para voltar a forma de grãos, chamado de pedra. Essas pequenas pedras e de tamanhos diferentes são vendidas com base em seu tamanho, o tamanho normal para uma dose tem seu preço variado conforme a distancia do Acre, onde na fronteira chega a custar três reais; esse processo é a forma mais simples da venda por boqueiros, que também é vendida em forma de pó obtida através da raspagem da pedra grande, as pedrinhas que sobraram são juntadas até a formar a porção normal. Também o OXI pode ser transformado em "merla", que é a forma mais simples de transformação, onde 1kg de oxi pode ser transformado em 6kg de merla em um processo de diluição do oxi em água acrescentado cal, solução de bateria, barrilha de piscina e outros, que é batida em forma de maça de bolo, podendo ser feito em um pequeno quarto, que depois de pronto tem a forma de pasta e seu valor é bem mais baixo que o oxi. Já a transformação do oxi em cocaína pura, o posinho branco, chamada de brilho/cristal/escama de peixe, que é a mais cara, a sua transformação depende de um mini laboratório onde se usa batedeiras gerando um grande barulho, forno e produtos químicos, que em cada 3kg de oxi é transformado em média 1kg de brilho, essa transformação costuma ser feita em grandes centros brasileiros para a sua exportação para outros países.
O oxi costuma ser usado misturado com um pouco do tabaco de um cigarro comum em uma lata vazia de cerveja ou refrigerante colocado em cavidade com alguns furinho que depois de aceso é chupado através da boca da lata.
A revista Época fez essa publicação no dia 15/05/11
O oxi – uma pedra tóxica feita com cal, gasolina e pasta de cocaína – se espalha pelo país e assusta as autoridades mais que o crack
Humberto Maia Junior, com Rodrigo Turrer
A primeira apreensão confirmada do oxi em São Paulo ocorreu quase por acaso. Em março, a polícia apreendeu 60 quilos de algo que foi classificado como crack. O equívoco foi corrigido quando esse carregamento foi usado numa demonstração para novos policiais. “Queimamos algumas pedras e, pelos resíduos, concluímos que era oxi”, afirma Correa. Quase diariamente, a polícia de algum Estado do Brasil anuncia ter apreendido a droga pela primeira vez (leia o mapa abaixo) . Em alguns casos, como em Minas Gerais, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul, as primeiras apreensões foram feitas na semana passada. Não é que o oxi surgiu em tantos lugares em tão pouco tempo. Ele já havia se espalhado sem ser notado.
Como o crack, o oxi é vendido em pedras que, quando queimadas, liberam uma fumaça. Inalada, em poucos segundos vai para o cérebro, provocando euforia e bem-estar. “Visualmente, são quase idênticas”, diz Correa. A diferenciação pode ser feita pela fumaça, que no caso do crack é mais branca, ou pelos resíduos: o crack deixa cinzas, enquanto o oxi libera uma substância oleosa. Por causa da dificuldade em distinguir uma droga da outra, é impossível ter exata noção da penetração do oxi entre os usuários. “Sabemos apenas que ele está aqui há algum tempo”, afirma Correa.
Recente nos Estados mais ao sul do país, o oxi é velho conhecido dos viciados da Região Norte. Acredita-se que a droga entrou no Brasil ainda na década de 1980, a partir de Brasileia e Epitaciolândia, cidades do Acre que fazem fronteira com a Bolívia. O consumo da substância foi registrado por pesquisadores em 2003, quando Álvaro Mendes, vice-presidente da Associação Brasileira de Redução de Danos (Aborda), pesquisava o uso de merla, outro derivado da cocaína, entre os acrianos. “No primeiro momento, o oxi era usado pelas classes sociais mais baixas e por místicos que iam ao Acre atrás da ayahuasca (chá alucinógeno usado em cerimônias do Santo Daime)”, diz Mendes. A droga chegou à capital, Rio Branco, de onde se espalhou para outros Estados da região. “Hoje, é consumida em todas as classes sociais”, diz Mendes.
A dentista Sandra Crivello se lembra de quando viu o primeiro caso de dependência por oxi em São Paulo. Foi no fim do ano passado, quando recebeu uma ligação de uma Organização Não Governamental (ONG) que faz atendimento a jovens viciados em drogas. Queriam que ela atendesse um rapaz com problemas na boca. Encontrou o paciente na porta da ONG. A imagem do rapaz chocou Sandra, que há mais de 20 anos atende meninos de rua viciados. Loiro, pele branca e aparentando 20 anos, chocava pela magreza e pelo cheiro quase insuportável de vômito e fezes. “Ele estava em condição de torpor, parecia viver em outro mundo.”
– Foi você que veio me ver? Olha, está doendo muito – disse o rapaz, chorando, antes de puxar os lábios com força exagerada. Sandra não se esquece do que viu. “Tinha até osso necrosado.” Perguntou ao rapaz:
– O que você usou? Não vem me dizer que é crack que eu sei que não é.
– Eu bebi.
– Bebida não é. O que você usou?
– Foi oxi.
Sandra, que já tinha ouvido falar do oxi, diz que respirou fundo. “Agora que essa porcaria chegou aqui, não falta mais nada. Só pedi que Deus nos ajudasse.” Como Sandra, vários profissionais que têm contato com o mundo das drogas temem que o oxi tome o lugar do crack. Motivos não faltam, da facilidade de fabricação ao preço baixo. O crack é feito com pasta-base de cocaína, misturada com bicarbonato de sódio e um solvente, que pode ser éter ou amoníaco. É difícil obter grandes quantidades dessas substâncias, porque a venda é controlada pela Polícia Federal. Já o oxi é feito com pasta-base de coca misturada a cal virgem e a gasolina ou a querosene. “O refinamento do crack demanda uma cozinha e um processo laboratorial mais complexo”, diz Ronaldo Laranjeira, coordenador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Para fabricar o oxi, basta misturar a pasta-base com um derivado de petróleo em qualquer panela. Pode ser feito no fundo de um quintal.” O resultado é que os traficantes podem cobrar preço menor. Se uma pedra de crack custa ao viciado entre R$ 7 e R$ 10 na “cracolândia”, região central de São Paulo onde usuários e traficantes circulam livremente dia e noite, a pedra de oxi sai por cerca de R$ 2. Esse valor torna a droga acessível a um público muito maior. “Dependentes buscam o que é mais barato”, diz Luiz Alberto Chaves de Oliveira, chefe da Coordenadoria de Atenção às Drogas da Prefeitura de São Paulo. Também procuram o que tem efeito mais forte e mais rápido. O oxi, ao que parece, atende a essas necessidades. E tem tanto ou mais poder de viciar que o crack. “O oxi parece gerar ainda mais dependência. É potencialmente mais forte que o crack, que já é muito destrutivo”, diz Cláudio Alexandre, psicólogo do Grupo Viva, que atende dependentes de drogas.
O agente penitenciário André (nome fictício), de 34 anos, morador de Rio Branco, no Acre, conhece bem os efeitos do oxi. “Quem usa chama de veneno”, diz. Como todo veneno, é traiçoeiro. André descreve o gosto da fumaça como algo “gostoso”. “Pega mais, dá uma viagem.” Não demora e surgem os efeitos adversos – dor de cabeça, vômitos e diarreias. E paranoia. André diz que ouvia vozes. “Era o demônio falando no meu ouvido.” Os efeitos também são físicos. “Via muitos usuários sujos de vômito e diarreia.” Mesmo assim, André não conseguia abandonar o uso. Vendeu o que tinha para comprar pedras. “Pedia aos boqueiros (quem trabalha nas bocas de fumo) que passassem na minha casa e pegassem tudo.” Geladeira, fogão, DVD, um a um, todos os móveis e eletrodomésticos foram trocados por pedras brancas. “Só não troquei a vida”, diz André, que está internado numa clínica ligada a uma ONG em Rio Branco. Ele afirma que só buscou tratamento porque, desempregado, não tinha mais dinheiro para abastecer o vício.
Na última semana, as polícias de quatro Estados anunciaram as primeiras apreensões de oxi
Paulina Duarte, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), diz que o governo federal está avaliando o impacto do oxi. Junto com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Senad está finalizando uma pesquisa sobre o uso de derivados de cocaína no país. O estudo incompleto sugere que, pela facilidade com que é produzido, o oxi pode subverter a lógica usual do tráfico. “Não há um fornecedor fixo que distribui um só produto”, diz Paulina. “A droga é produzida em casa, de forma primitiva e artesanal.” Uma nova organização do tráfico poderia exigir uma mudança na forma de repressão policial. “Para combater o oxi, não temos de caçar apenas grandes traficantes”, afirma Paulina. “Precisaremos de uma polícia ativa, que atue diretamente nos pontos urbanos.”
Também é preciso que o serviço de saúde tenha exata noção das substâncias que compõem o oxi, a fim de entender seus efeitos e propor tratamento adequado. Por enquanto, faltam estudos laboratoriais que atestem a composição da substância. Na década de 1980, a Alemanha queria montar uma política para diminuir as mortes provocadas por overdose de heroína. Descobriu-se que o que estava matando era uma versão da droga com aditivos. Somente a partir dessa constatação o serviço de saúde organizou a melhor forma de tratamento. O Brasil suspeita, mas não tem certeza, do que é feito o oxi. Saber é o primeiro passo de uma longa batalha contra a nova droga.