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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

OS HOMENS NO DIVÃ

Os homens no divã


07 Outubro 2011 Administrador
Nossos sentimentos de desamparo não podem ser resolvidos através do outro, mas sim atenuados dentro de nós mesmos”. É com a sabedoria de quem já escreveu mais de 10 livros sobre relacionamentos amorosos que a sexóloga e psicanalista Regina Navarro analisa a crise que vivem homens e mulheres atualmente. O choque causado pela morte prematura de uma jovem em Brasília, pelo ex-professor e namorado, inconformado com o fim da relação, levantou a questão: afinal, porque os homens matam?

Para Regina Navarro, que já realizou 300 palestras sobre amor e sexo e atuou como colunista de inúmeros veículos de comunicação, o domínio do parceiro sobre a mulher perdura desde a Idade Média, e, a partir de então, quando uma mulher abandona um homem, corre o risco de sofrer violência emocional, psicológica e, na pior das hipóteses, física. “Os primeiros meses da separação são especialmente perigosos e precauções devem ser tomadas por pelo menos um ano”, é este o conselho da sexóloga para evitar crimes passionais, como o recente ocorrido em Brasília.
Depois de perder o posto de único mantenedor da casa, da família e da felicidade da mulher, que já não é mais frágil e desamparada, o homem teve sua certeza de superioridade abalada. A hora, então, é de revolução. Para fugir da crise, da depressão e do esgotamento, homens e mulheres precisam se unir, examinando o mito que existe em torno da masculinidade e reconstruir seus papéis na sociedade. Encarando de frente a angústia, o fracasso e dificuldades afetivas, e livrando-se da dependência emocional, qualquer pessoa, estando em uma relacionamento ou não, só tende a evoluir.
Marcone Formiga - Em um crime recente em Brasília, um docente universitário se envolveu com uma aluna e, depois que ela rompeu o relacionamento, matou-a, sem nenhuma piedade, e se entregou em seguida. Afinal, por que os homens matam as mulheres?
- Regina Navarro Lins - Na Idade Média, o marido tinha o direito e o dever de punir a esposa e de espancá-la para impedir “mau comportamento” ou para mostrar-lhe que era superior a ela. Até o tamanho do bastão usado para surrá-la tinha uma medida estabelecida. Se não fossem quebrados ossos ou a fisionomia da esposa não ficasse seriamente prejudicada, estava tudo certo. E isso perdurou por muito tempo.
- Marcone Formiga - O ato do amante passional que mata o ser amado que o abandona ou prefere outra pessoa é a consequência da frustração de seu desejo de posse?
- Regina Navarro Lins - Um refrão comum aos matadores emitido para suas vítimas ainda vivas é: “Se eu não posso ter você, ninguém pode.” Estudos mostram que as mulheres estão sob um risco maior de serem assassinadas quando realmente abandonaram a relação ou quando declararam, inequivocamente, que estavam partindo de vez. Elas correm o maior risco nos primeiros dois meses depois da separação, com 47% das mulheres vítimas de homicídio sendo mortas durante esse intervalo e 91% dentro do primeiro ano depois da separação. Os primeiros meses depois da separação são especialmente perigosos, e precauções devem ser tomadas por pelo menos um ano.
- Rebeca Oliveira - Elas reagem a ameaças dos homens?
- Regina Navarro Lins - Os homens nem sempre emitem ameaças de matar as mulheres que os rejeitam, claro, mas tais ameaças devem sempre ser levadas a sério. Eles ameaçam as parceiras com o objetivo de controlá-las e impedir sua partida. A fim de que tal ameaça seja acreditada, violência real tem que ser levada a cabo. Os homens às vezes usam ameaças e violência para conseguir controle e impedir o abandono. Depois do crime, o criminoso passional não costuma fugir. Alguns se suicidam, morrendo na certeza de que o ser amado não pertencerá a mais ninguém.
- Marcone Formiga - Uma pesquisa do Statistics Canada revelou que quando os homens terminam um casamento, têm seis vezes mais chance de ter depressão do que aqueles que continuam casados. Com o termino de uma relação, o sofrimento masculino é maior?
- Regina Navarro Lins - Os homens suportam menos o abandono! Ao contrário do que parece, é grande o número de homens que dependem emocionalmente de suas mulheres, entregando a elas a administração integral da vida e dos próprios desejos. Homens e mulheres têm um papel a desempenhar. Os meninos, para serem aceitos como machos, têm que corresponder ao que deles se espera numa sociedade patriarcal — força, sucesso, poder. Não podem falhar, nem sentir medo. Sem dúvida, perseguir o ideal masculino gera angústias e tensões.
- Marcone Formiga - Isso vem da infância?
- Regina Navarro Lins - Quando pequeno, o menino tem com a mãe um vínculo intenso, que deve ser rompido precocemente para que ele se desenvolva como homem. Permanecer muito perto da mãe só é permitido às meninas. Para os meninos isso significa ser “filhinho da mamãe”. Os amigos e os próprios pais não perdem uma oportunidade de deboche ou piada a qualquer manifestação de sujeição à mãe. O desejo de ser cuidado, acalentado e dependente é recalcado. Na vida adulta, os homens escondem a necessidade que têm das mulheres mostrando-se auto-suficientes e desprezando-as. Tentam se convencer de que elas é que precisam deles, da sua proteção. Negando, assim, seus próprios impulsos de dependência, se sentem mais fortes e poderosos. Com o término da relação muitos homens se sentem desamparados. Por isso, em muitos casos, parece adequada a afirmação de que “quando cai a máscara, descobre-se um bebê que treme”.
- Rebeca Oliveira - Depois de constatar que já não precisa sustentar a casa, a família e ser o único responsável pela felicidade da mulher, o homem moderno está em crise?
- Regina Navarro Lins - Durante muito tempo a mulher foi educada para se sentir frágil, desamparada, necessitando desesperadamente encontrar um homem que lhe desse amor e proteção e, mais do que tudo, que desse um significado à sua vida. Com o movimento feminista dos anos 60 as mulheres começaram a se libertar disso. A certeza da superioridade do homem foi abalada. Diante da nova
mulher desconhecida, muitos homens passaram a questionar a identidade masculina, desejando se libertar dos papéis tradicionais que a eles sempre foram atribuídos.
- Marcone Formiga - Ou seja, o homem é caçador e a mulher a presa...?
- Regina Navarro Lins - O roteiro “homem-caçador/mulher-presa” causa sérios prejuízos à sexualidade masculina. Os homens são levados a organizar sua energia e percepção em torno do desempenho e, assim, se transformam em máquinas de fazer sexo, preocupados apenas em “marcar pontos” e ter ereções.
- Marcone Formiga - Isso significa que os homens estão em crise existencial e amorosa?
- Regina Navarro Lins - É inegável que a masculinidade está em crise!... Nos últimos 40 anos foi constatado nos homens o aumento da depressão psicológica e em vários países registram-se doenças do homem esgotado. Todo o esforço exigido deles para serem considerados “homens de verdade” provoca angústia, medo do fracasso e dificuldades afetivas. Mas como resolver o impasse entre a proibição social de expressar sentimentos considerados femininos e a crítica cada vez mais acirrada ao homem machista? Como os homens podem recuperar sua autonomia? Talvez o jeito seja se unir às mulheres e, examinando o mito da masculinidade, pensar em sua própria saída do patriarcado, repudiando essa masculinidade como natural e desejável. Nem todos aceitam o roteiro do macho e, cada vez mais homens, em todo o mundo, tomam consciência da desvantagem desse papel e empreendem a desconstrução e a reconstrução da masculinidade.
- Rebeca Oliveira - A insegurança e a exigência de exclusividade no amor é o maior mal dos relacionamentos?
- Regina Navarro Lins - Acredito que a exigência de exclusividade e o controle do outro prejudicam bastante uma relação amorosa. Todos os ensinamentos que recebemos desde que nascemos – família, escola, amigos, religião – nos estimulam a investir nossa energia sexual em uma única pessoa. Mas a prática é bem diferente. Uma porcentagem significativa de homens e mulheres casados compartilha seu tempo e seu prazer com outros parceiros.
- Rebeca Oliveira - E como fica o casamento?
- Regina Navarro Lins - Um casamento pode ser plenamente satisfatório do ponto de vista afetivo e sexual, mesmo havendo relações extraconjugais. Afinal, todos estão constantemente expostos a estímulos sexuais novos provenientes de outros, que não o parceiro atual. É possível que esses estímulos não tenham efeito na fase inicial da relação, em que há total encantamento pelo outro. Entretanto, existem e não podem ser eliminados. A exclusividade sexual do parceiro (a) é a grande preocupação de homens e mulheres. Mas ninguém deveria ficar preocupado se o parceiro transa, ou não, com outra pessoa. Homens e mulheres só deveriam se preocupar em responder a duas perguntas: “Sinto-me amado (a)? Sinto-me desejado (a)?”. Se a resposta for “sim” para as duas, o que o outro faz, quando não está comigo, não me diz respeito. Não tenho dúvida de que as pessoas viveriam muito mais satisfeitas.
- Marcone Formiga - Existe algum segredo ou fórmula para lidar com a rejeição?
- Regina Navarro Lins - Não conheço nenhuma fórmula, mas a reflexão sobre o tema sempre ajuda. O problema está na forma como o adulto aprendeu a viver o amor, que é, em quase todos os aspectos, semelhante à forma da relação amorosa vivida com a mãe pela criança pequena. Por se sentir constantemente ameaçada de perder esse amor — sem o qual perde o referencial na vida e também fica vulnerável à morte física — a criança se mostra controladora, possessiva e ciumenta, desejando a mãe só para si.
- Marcone Formiga - Vem da infância isso?
- Regina Navarro Lins - Esse risco é verdadeiro na infância, mas no adulto, quando surge uma relação amorosa, passa-se de uma dependência para outra. Agora, por conta de todo o condicionamento cultural, é através da pessoa amada que se tenta satisfazer as necessidades infantis. Reeditando a mesma forma primária de vínculo com a mãe, o antigo medo infantil de ser abandonado reaparece e a pessoa
amada se torna imprescindível. Não se pode correr o risco de perdê-la.
- Rebeca Oliveira - Toda separação é uma ruptura e ninguém se casa para assistir ao final melancólico de uma relação a dois, construída com a expectativa de um amor eterno?
- Regina Navarro Lins - Colocar um ponto final num relacionamento é tão doloroso, que muitos consideram o sofrimento comparável, em intensidade, à dor provocada pela morte de uma pessoa querida. A experiência de perda do outro na separação é mais dolorosa por sofrer influência de vivências anteriores. Perdas e situações de desamparo vividas em outra época podem ser reeditadas, repercutindo sobre a perda atual. Contudo, de um jeito simples ou complicado, com raiva ou tranquilidade, o fato é que em todas as partes do mundo as pessoas se divorciam.
- Marcone Formiga - Alguns casais, depois de experimentarem as limitações impostas pelo casamento, chegam à conclusão de que paixão nenhuma vale a liberdade reconquistada?
- Regina Navarro Lins - Hoje, ainda não!... Daqui a algumas décadas, acredito que menos pessoas vão querer se fechar numa relação a dois e a maioria vai preferir ter relações múltiplas. A questão é que, desde crianças, somos levados a acreditar no casamento como única forma de realização afetiva. Passamos a vida esperando o momento de encontrar a pessoa certa para, a partir daí, vivermos felizes para sempre. As pessoas buscam encontrar alguém que as complete. Essa ideia de que ninguém é inteiro, de que falta um pedaço em cada um de nós, é comum, mas bastante limitadora. Vive-se numa procura contínua do parceiro amoroso e as frustrações daí decorrentes são muitas e desnecessárias. A complementação desejada não passa de uma ilusão - na verdade, ninguém completa ninguém. Nossas dificuldades e mesmo nosso sentimento de desamparo não podem ser resolvidos através do outro, mas sim atenuados dentro de nós mesmos.
- Marcone Formiga - Não querem casar?
- Regina Navarro Lins - A maioria deseja casar! Ninguém questiona se é mesmo a única forma de realização afetiva. Existe uma resistência geral em admitir que o amor pode ser vivido de forma intensa e profunda fora de uma relação entre duas pessoas.
- Rebeca Oliveira - Falta sexo no casamento?
- Regina Navarro Lins - O maior problema no casamento é o sexo. É bem maior do que se imagina o número de mulheres que fazem sexo sem nenhuma vontade, por obrigação. Alguns motivos são sempre apontados como responsáveis pelo fim do desejo sexual no casamento: excessiva familiaridade, excessiva intimidade, rotina, problemas domésticos... Mas acredito que o principal motivo é pouco falado: a exigência de exclusividade.
- Rebeca Oliveira - Ou seja, alguns casais acabam sendo como “irmãos”, sem sexo...
- Regina Navarro Lins - As soluções são variadas: alguns fazem sexo sem vontade, só para manter a relação, outros optam por continuar juntos, vivendo como irmãos, como se sexo não existisse, e ainda existem aqueles que passam anos se torturando por não aceitar se separar nem viver sem sexo. É fundamental que se reflita sobre essa questão para que as pessoas possam deletar o moralismo e os preconceitos.
- Marcone Formiga - E quanto à solidão a dois, quando tudo incomoda: a voz, o toque da pele...?
- Regina Navarro Lins - Na busca de segurança afetiva, qualquer preço é pago para evitar tensões decorrentes de uma vida autônoma. Por medo da solidão as pessoas suportam o insuportável, tentando manter a estabilidade do vínculo e, não raro, se tornam dois estranhos ocupando o mesmo espaço físico. Como mecanismo de defesa, surge a tendência a não se pensar na própria vida. Tenta-se acreditar que casamento é assim mesmo. Aí é que reside o perigo. Se a pessoa não tomar coragem e sair fora, vai viver exatamente o mesmo que um sapo desatento. Uma fábula conta que se um sapo estiver em uma panela de água fria e a temperatura da água se elevar lenta e suavemente, ele nunca saltará. Será cozido...