Bancária acusada de subversão passa a limpo memórias dos “anos de chumbo”
3 De Julho Noticia
Manoel Façanha
No final da década de 1960, o
Brasil, que vivia entre a Jovem Guarda e o Tropicalismo, entrava no mais
sombrio capítulo da sua história, que ficou conhecido como “os anos de
chumbo”. Neste período, um episódio ocorrido em Brasiléia (AC),
fronteira com a Bolívia, chamaria atenção da sociedade acreana. Uma
estudante, revoltada com a postura de um educador, seria acusada de
subversão ao regime implantado no país, tirada de dentro da sala de aula
por um comissário de polícia e levada para depor em juízo.
O fato ocorreu numa tarde de 26
de setembro, quando a aluna da 3ª série Luiza Maria Almeida da Silva, de
23 anos, lotada na Escola Normal Regional de Brasileia, teria se
revoltado diante de uma determinação do diretor da instituição de ensino
quando esse resolveu cancelar a matrícula do estudante Alberto
Brilhante de Oliveira, também da 3ª série.
Insatisfeito com o protesto de Luiza, o diretor da escola, Jaci Pinto Cordeiro, dirigiu ofício ao meritíssimo juiz de Direito da comarca local, solicitando sua interferência para o cumprimento de suas atribuições.
Insatisfeito com o protesto de Luiza, o diretor da escola, Jaci Pinto Cordeiro, dirigiu ofício ao meritíssimo juiz de Direito da comarca local, solicitando sua interferência para o cumprimento de suas atribuições.
Na mesma tarde, Luíza foi
chamada à diretoria, onde foi comunicada que estava suspensa das aulas
por 10 dias. Apoiada pelos demais colegas de sala de aula, a estudante
negou-se a deixar o colégio, pois não via justificativa para a punição.
Minutos depois, Luiza, ainda fardada, foi retirada a força de sua
carteira de aula por um comissário de polícia. O fato causou grande
comoção entre os colegas de turma, assim como temor dos pais, nos dias
sequentes, em mandar seus filhos à escola.
Na época, conforme edição do
jornal O Rio Branco, de 29 de setembro de 1969, Luíza teria sido acusada
de subversão pela professora Josefa Figueiredo, dando motivos para o
Meritíssimo Juiz de Direito, além de escutá-la, autorizar vasculhar a
sua residência à procura de qualquer documento que lhe comprometesse, o
que não ocorreu.
Passados mais de quatro décadas
e, após buscar a Justiça, Luiza conquistou uma grande vitória ao
comprovar a própria inocência, em sentença proferida pela Comissão de
Anistia, na 25ª Sessão de Turma, dia 04 de julho de 2013. Nos autos do
processo consta a declaração de que Luiza Maria Almeida da Silva foi
considerada anistiada política e com direito a receber reparação
econômica, de caráter indenizatório, em prestação única, no valor
correspondente a 30 (trinta) salários mínimos, equivalente nesta data a
R$ 20.340,00, nos termos do artigo 1º, incisos I e II, c/c artigo 4º, §
1º, da Lei n.º 10.559, de 13 de novembro de 2002. O pagamento
indenizatório foi efetuado no mês de fevereiro 2014.
Em julho deste ano, Luiza Maria,
mãe de Luís Marcelo e avó de dois netos, resolveu abrir as portas da
sua residência e conceder entrevista exclusiva à reportagem da Revista
dos Bancários do Acre, edição histórica, onde falou do traumático
episódio.
Sentada no sofá da sala de sua
residência, localizada a pouco mais de 200 metros da agência do Banco da
Amazônia, local de seu trabalho, ela fez uma viagem na história e por
mais de uma hora discorreu, com detalhes, os momentos de horror passados
naquele inesquecível 26 de setembro de 1969. Chorou ao relembrar
detalhes da tortura psicológica sofrida diante do interrogatório naquela
primavera. Lembrou dos personagens que a acusaram de subversão, do
interrogatório e da prisão. Por fim, apesar de reconhecer o reparo
jurídico do Estado ao anistiá-la e indenizá-la, explicou que o episódio
provocou sequelas profundas na sua vida.
Confira os principais trechos da entrevista
REVISTA DOS BANCÁRIOS – Passados
quase 45 anos de sua prisão, ocorrida dentro de uma sala de aula e a
mando de um educador, o que a senhora ainda pode falar disso?
LUIZA MARIA – Posso diz que
foram momentos de horror. Lembro-me que tudo ocorreu após eu sair em
defesa de um colega de aula (Alberto Brilhante de Oliveira) que teve sua
matrícula cancelada sem motivação.
REVISTA DOS BANCÁRIOS – Na época
da sua prisão, a senhora chegou a ser acusada de subversão ao poder,
mas nada foi comprovado. O que mudou na sua vida após aquele 26 de
setembro?
LUIZA MARIA – Realmente. A
residência da minha família foi vasculhada por inteiro na busca de
qualquer documento que viesse a me comprometer, mas nada foi encontrado,
exceto livros didáticos e literatura de pensadores socialistas e o meu
diário. No entanto, aquilo tudo trouxe graves consequências na minha
rotina diária e, até hoje, ainda tenho pesadelos.
REVISTA DOS BANCÁRIOS – É
verdade que a senhora jamais perdoou o então diretor da escola, Jaci
Pinto e a professora Josefa Figueiredo?
LUIZA MARIA – Verdade. Nunca
consegui perdoá-los. Na minha consciência não consigo imaginar como dois
educadores tiveram a coragem de acionar a força policial para retirar
um aluno de dentro da sua própria sala de aula.
REVISTA DOS BANCÁRIOS – A senhora foi presa e depois levada para depor em juízo. Quais foram os questionamentos?
LUIZA MARIA – Como fazia parte
do grupo de jovens da igreja católica e realizávamos rifas para angariar
recursos para as nossas atividades, eles chegaram durante o meu
depoimento a perguntar sobre compra de armas e onde estavam elas. Eu
transtornada por tudo aquilo, como resposta, cheguei a cuspir num dos
interrogadores e acabei jogada numa cela.
REVISTA DOS BANCÁRIOS – Alguém foi solidário com a senhora durante o episódio?
LUIZA MARIA – Mesmo com receio
de algum tipo de represália que poderia ser imposta pelos militares,
algumas pessoas estenderam a mão a minha pessoa. Foi o caso da minha
amiga Isaura Cunha, que ajudou de todas as maneiras a minha
transferência para Rio Branco. Na capital recebi apoio da Elmaz Mezarane
Acácio.
REVISTA
DOS BANCÁRIOS – O trauma ocasionado pelo episódio fez a senhora deixar a
cidade de Brasileia e passar a residir em Rio Branco e logo depois em
Recife. Fale um pouco disso?
Verdade. Tive que abandonar
amigos e uma rotina de vida para morar em Rio Branco. Mas pouco depois,
em 1970, fui selecionada para estudar em Recife (PE), precisamente na
Universidade Federal de Pernambuco, onde conclui o curso extensivo de
Matemática. Retornei a Rio Branco dois anos depois, onde iniciei minha
vida profissional como educadora do Departamento de Estudos Supletivos
(DESU). Em 1976 virei funcionária do Instituto de Administração
Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS).
REVISTA DOS BANCÁRIOS – Como a senhora chegou às fileiras do Banco da Amazônia?
LUIZA MARIA – No ano de 1982 fui
aprovada no concurso do Banco da Amazônia. Fui lotada nos primeiros
anos na agência de Boca do Acre (AM), mas depois fui transferida para
Rio Branco e, logo depois, Vilhena (RO), até retornar a minha cidade
natal, Brasileia. Neste período aproveitei para fazer duas faculdades. A
primeira delas de pedagogia (Ufac – 1982/1986), e a segunda, uma
graduação em Serviço Social (Universidade Norte do Paraná – 2006/2010).
No entanto, ainda sonho com a graduação no curso de História.
REVISTA DOS BANCÁRIOS – A
senhora, que faz parte da luta sindical bancária há bastante tempo, hoje
responde como delegada sindical de Brasiléia. Como a senhora analisa
esses anos de luta e o atual momento vivido pelos funcionários do Banco
da Amazônia?
LUIZA MARIA – Foram anos de
constantes lutas, principalmente nas últimas décadas, com o fantasma da
privatização ou anexação do banco a outras instituições financeiras. A
respeito do atual momento vivido pelos empregados do Banco da Amazônia
vejo uma desvalorização por parte da instituição, onde os salários foram
achatados. Outro grande problema enfrentado pelo corpo funcional está
em nosso plano de previdência privada, onde hoje, ao aposentar, o
funcionário precisa contribuir com boa parte do seu salário.
REVISTA DOS BANCÁRIOS – Como a senhora analisou a sentença da Justiça?
LUIZA MARIA – O dano causado a
minha pessoa jamais será reparado, pois como já afirmei, deixou
sequelas. No entanto, estou satisfeita, pois o mais importante era
provar na justiça que tudo aquilo não passou de um equívoco impensável
de algumas pessoas da época.
DEPOIMENTO DO PADRE PACIFICO
A Luiza era uma jovem estudante
de grupo de jovens da paróquia de Nossa Senhora das Dores, de Brasiléia.
Sofreu muito por ter sido presa fardada dentro de uma sala do Instituto
Odilon Pratagi, onde estudava, e levada para uma Delegacia, onde foi
mantida incomunicável.
Brasiléia era
aquela cidadezinha tradicional e pacata, mas como era fronteiriça,
considerada pelo regime área de Segurança Nacional. Olha a repercussão
de um fato dessa natureza naqueles tempos no ano de 1969! E olha a
dificuldade de uma pessoa jovem para arrumar emprego depois que o regime
levanta todo tipo de suspeita sobre uma pessoa indefesa e sem qualquer
acusação objetiva contra a mesma. Eu, como sacerdote responsável pelo
grupo de jovens, sabia que nada de concreto existia contra a mesma, mas
no anonimato quem acusava se escondia e assim se destruíam
psicologicamente as pessoas, algumas delas carregando sequelas pelo
resto da vida.